A primeira manhã da América de Trump na casa de mexicanos sem documentos
“Se ele cumprir sua promessa, acabou meu sonho americano”, diz Magdiel Ríos em sua casa em Miami
PABLO DE LLANO
Miami, 10 nov 2016
Magdiel Rios (esq.) e Pedro Muñoz em sua casa em Miami. PABLO DE LLANO
Cinco horas depois de Donald Trump ter feito seu discurso de vencedor em Nova York, o mexicano Pedro Muñoz lavava roupas numa lavanderia de Miami. Ele não tem documentos, mas tem roupa para lavar, e a vida continua, como sempre desde que chegou há 20 anos.
“Eu não tenho medo. Somos mais de dez milhões de sem documentos e não vai ser tão fácil para o senhor Trump nos tirar dos Estados Unidos”, diz Muñoz, cozinheiro de 59 anos. “O que vão fazer se expulsarem os hispânicos?”, pergunta ao lado dele a responsável pela lavanderia. “Os restaurantes ficarão sem garçons e com os gerentes olhando para os clientes sem saber o que fazer”. Muñoz relativiza a notícia que impactou o mundo inteiro: “Vamos ver o que acontece. Como dizem, Deus põe e o diabo descompõe”.
José Luis entra. Guatemalteco, chegou há seis anos pelo Texas para escapar da violência de seu país. Não tem papéis e nem muito a dizer. Cozinha num restaurante italiano. Gosta dos Estados Unidos. “É bonito aqui”. E a praia. “Ah, sim, a praia”.
Pela janela se vê a avenida Alton Road. Tráfego normal, carros esportivos normais das pessoas com dinheiro, palmeiras, Miami Beach como um dia qualquer.
Muñoz tira suas roupas da secadora, coloca-as em dois sacos e volta para casa. Bermudas, um crucifixo pendurado no pescoço, uma pulseira com o arco-íris gay. Na lavanderia permanecem outros clientes latinos e a televisão ligada. Com jornalistas e analistas perguntando como Trump ganhou. E as lavadoras funcionando.
Pedro Muñoz atravessando uma rua de Miami Beach. PABLO DE LLANO
Muñoz caminha sem regularizar, mas com documentos falsos que são comprados no mercado negro e que servem para encontrar trabalho – “eles não verificam”–; com uma falência às costas que conseguiu superar faz alguns anos: “Agora tenho de novo cinco cartões de crédito e crédito em lojas como Macy’s, Walmart e Amazon. As coisas não estão indo mal para mim”.
Ele tentou regularizar sua situação. “Mas os três advogados que consultei me disseram a mesma coisa: não há possibilidade para você, a única maneira é se casar”.
– E por que você não se casa?
– Porque pedem muito dinheiro para casar. Eu não tenho 10.000 dólares (cerca de 32.250 reais).
Ele chega a casa e acorda seu colega de apartamento, Magdiel Ríos, de 30 anos, também mexicano, também cozinheiro, também em situação irregular.
Ríos sai dos lençóis, se veste e começa a conversar. “Eu adoro a América. Se pudesse, ficaria por toda a vida. “Se ele cumprir sua promessa, acabou meu sonho americano. E o pior é que eu já faço parte disso. Não saberia o que fazer no México”.
“Aqui tudo é bonito, na verdade”, acrescenta Muñoz.
– Você tem medo de ser deportado, Magdiel?
– Sim, como não?
Eles acreditam que quando Trump assumir a presidência os controles de documentos serão mais severos. “Onde quer que se vá à procura de trabalho, teremos de passar pelo sistema de verificação e as pessoas não conseguirão emprego,” imagina Ríos. “Alguns irão embora por conta própria. Outros serão deportados no dia em que forem pegos dirigindo sem carta”.
Dois gatos olham pela janela. Um cachorro microscópico circula pela sala. Compartilham com um guatemalteco sem documentos o pequeno apartamento pelo qual pagam 1.650 dólares por mês. “Não estamos aqui de graça”, queixa-se Ríos. “Você paga os impostos, paga o aluguel, consome nas lojas. Se nos expulsarem, perderão muito dinheiro”.
Donald Trump adiantou durante a campanha que previa deportar dois milhões de sem documentos que tinham cometido crimes e quatro milhões que não tinham respeitado o prazo de permanência de seus vistos. Outros cinco milhões, que completam o total de 11 milhões de irregulares nos Estados Unidos, teriam de regressar aos seus países para tramitar novamente um visto de entrada. Se o presidente eleito levar a cabo seus planos exporá ao colapso os tribunais de imigração, que atualmente têm mais de meio milhão de casos para resolver. O mercado de trabalho também sofreria: trabalham nos Estados Unidos oito milhões de imigrantes sem documentos, cerca de 5% da força de trabalho.
Cingapura mostra que a prosperidade ou a pobreza de um país não são determinadas pela geografia ou pela força
MARIO VARGAS LLOSA 11 NOV 2016 - 17:00 CST
O viajante chinês que deixou o primeiro testemunho escrito sobre esta ilha, no século XIV, deu-lhe o nome de “A ilha dos leões” (Cingapura), mas se enganou quanto ao animal, porque aqui nunca houve leões, apenas tigres, e em grande quantidade, pois até bem avançado o século XIX essas feras ainda comiam os camponeses que se extraviavam por seus territórios.
Esse primitivismo já ficou bem para trás. Cingapura é hoje um dos países mais prósperos, limpos, avançados e seguros do mundo, e o primeiro a ter conseguido, num prazo relativamente curto, acabar com dois dos piores flagelos da humanidade: a pobreza e o desemprego. Nos seis dias que acabo de passar aqui, pedi a todas as pessoas com quem estive que me levassem para conhecer o bairro mais pobre desta cidade-Estado. E aquela maravilha, que pude ver com os meus próprios olhos, é verdadeira: aqui não há miséria, nem amontoamento nem barracos, e sim, em vez disso, um sistema de saúde, educação e oportunidades de trabalho ao alcance de todos, bem como uma imigração controlada que beneficia em pé de igualdade tanto o país quanto os estrangeiros que chegam para nele trabalhar.
Desmentindo todas as teorias de sociólogos e economistas, Cingapura demonstra que raças, religiões, tradições e línguas diferentes, em vez de dificultarem a coexistência social e serem um obstáculo ao desenvolvimento, podem conviver perfeitamente em paz, colaborando umas com as outras e usufruindo igualitariamente o progresso sem abrir mão de suas crenças e costumes. Embora a grande maioria da população seja de origem chinesa (cerca de 75%), os malaios e os indianos (sobretudo os tâmeis), assim como os eurasiáticos cristãos, convivem com ela sem problemas, em um clima de tolerância e compreensão recíprocas, o que, sem dúvida, contribuiu em grande parte para que este pequeno país tenha queimado etapas desde a sua independência, em 1965, para se tornar o gigante que é hoje em dia.
Esse feito extraordinário se deve, em grande parte, a Lee Kuan Yew, que foi primeiro-ministro durante 31 anos (de 1959 a 1990) e cuja morte, no ano passado, reuniu boa parte da ilha em uma homenagem multitudinária. As ideias e as iniciativas tomadas por esse líder, formado na Inglaterra, na Universidade de Cambridge, continuam a orientar a vida do país – o atual primeiro-ministro é seu filho –, e até mesmo os críticos mais severos admitem que sua energia e sua inteligência foram decisivas para a notável modernização desta sociedade. O sistema que ele criou era autoritário, embora mantivesse a aparência de uma democracia; mas, diferentemente de outras ditaduras, nem o autocrata nem os seus colaboradores se aproveitaram do poder para enriquecer, e o Judiciário parece ter funcionado de forma independente durante todos esses anos, punindo severamente os casos – não muito frequentes – de corrupção que chegavam às suas mãos. O partido de Lee Kuan Yew ganhava todas as eleições sem necessidade de fraudes e sempre permitia que uma pequena e figurativa oposição participasse do Parlamento, um costume que continua em vigor, pois são apenas cinco, hoje em dia, os parlamentares de oposição. A imprensa é relativamente livre, o que significa que pode fazer críticas às políticas do regime, mas não defender ideologias revolucionárias, e há leis que proíbem tudo aquilo que seja ofensivo às crenças, costumes e tradições das quatro culturas e religiões que constituem Cingapura. Tal como em Londres, há um Speaker’s Corner em um parque, onde se podem realizar manifestações e fazer discursos contra o Governo, com a única condição de que seus autores sejam cidadãos do país.
Esta pequena ilha da Ásia adotou o caminho contrário, e hoje ninguém nela morre de fome ou está desempregado involuntariamente
O milagre cingapuriano não teria sido possível sem duas medidas essenciais que Lee Kuan Yew – em seus primeiros anos de vida política, ele se dizia socialista, embora adversário dos comunistas – colocou em prática logo depois de assumir o poder: uma educação pública de altíssimo nível, à qual se destinou, durante muitos anos, um terço do orçamento nacional, e uma política habitacional que permitiu que a imensa maioria da população tenha casa própria. Empenhou-se, também, em pagar salários elevados para os funcionários públicos, de modo a, por um lado, desestimular a corrupção na administração pública e, por outro, atrair para os serviços do Estado e para a vida política os jovens mais capacitados e mais bem preparados.
É verdade que Cingapura sempre teve um porto aberto para o restante do mundo, que estimulou o comércio internacional, mas o grande desenvolvimento econômico que o país conheceu não se deveu à sua posição geográfica privilegiada, mas sim, principalmente, à política de abertura econômica e de incentivos ao investimento estrangeiro. Enquanto os países do Terceiro Mundo, seguindo as políticas nocivas adotadas então pela CEPAL, “defendiam” suas economias contra as multinacionais, que eram mantidas à distância, e privilegiavam um desenvolvimento voltado para dentro, Cingapura se abria para o mundo e atraía as grandes empresas oferecendo-lhes uma economia totalmente aberta, um sistema bancário e financeiro eficiente e moderno, além de uma administração pública conduzida por critérios técnicos e sem corruptelas. Isso transformou a cidade-Estado em um “paraíso do capitalismo”, título que não parece envergonhar em nada os seus habitantes, muito pelo contrário. Na primeira vez que estive aqui, em 1978, fiquei encantado ao ver que neste pequeno rincão da Ásia havia uma avenida como a Orchard Street, com tantas lojas sofisticadas como as da Quinta Avenida de Nova York, da rua do Faubourg Saint-Honoré de Paris ou da região de Mayfair, em Londres. O presidente da Câmara de Comércio britânico-cingapuriana, que estava comigo, me disse: “Quando eu era criança, esta avenida que o surpreende tanto era cheia de barracos construídos sobre palafitas e tomada por lama e jacarés”.
É de se lamentar que ainda exista pena de morte no país, assim como o bárbaro castigo do cane (chibatadas) para os ladrões
É claro que nem tudo em Cingapura é de causar inveja, embora o sejam, com certeza, o seu sistema de saúde, acessível a todos, e suas escolas e universidades modelares, às quais os cingapurianos mais humildes têm acesso graças a um sistema bastante amplo de bolsas e de créditos. Mas é de se lamentar que ainda exista pena de morte no país, assim como o bárbaro castigo do cane (chibatadas) para os ladrões. Buscando atenuar o efeito dessa barbárie, uma pessoa me explicou que “só se aplicam 24 chibatadas no máximo”. Respondi dizendo que, infligidas por um carrasco bem treinado, 24 chibatadas são suficientes para matar, sob o horror da tortura, um ser humano.
Teria sido possível obter a formidável transformação de Cingapura sem o autoritarismo, respeitando-se rigorosamente os princípios da democracia? Estou absolutamente convencido de que sim, com a condição de que houvesse uma maioria do eleitorado que também pensasse assim e desse respaldo a um plano de governo que necessitasse de um mandato claro para levar a cabo as reformas realizadas por Lee Kuan Yew em seu país. Porque, provavelmente pela primeira vez na história, a prosperidade ou a pobreza de um país não são determinadas, em nossa época, pela geografia ou pela força, dependendo exclusivamente das políticas seguidas por seus Governos. Enquanto tantos países do mundo subdesenvolvido, desvirtuados pelo populismo, optavam pelo pior, esta pequena ilha da Ásia adotou o caminho contrário, e hoje ninguém nela morre de fome ou está desempregado involuntariamente, nem se vê impedido de ter acesso à assistência médica se for preciso, quase todos são donos das casas onde moram e, seja qual for a renda da família, qualquer um que se esforce para isso consegue receber uma formação profissional e técnica do mais alto nível. Vale a pena que os países pobres e atrasados levem esta lição em conta.
Leonard Cohen: “Se soubesse de onde saem as boas canções, iria até lá mais vezes”
O cantor e compositor apresenta seu novo disco, “You want it darker”, no dia em que Dylan ganha o Nobel: “É como colocar uma medalha no Everest”, diz com admiração
PABLO XIMÉNEZ DE SANDOVAL Los Angeles 14 OUT 2016 - 12:43 CDT
Leonard Cohen entra na sala com um grande sorriso. Move-se como se flutuasse, com terno preto, camisa cinza e chapéu Borsalino. Quando se aproxima do microfone para responder as perguntas, essa voz profunda e ao mesmo tempo quente e reconfortante inunda a sala. Seu novo disco, You want it darker, acabou de tocar para a imprensa internacional. Fala de amor, de despedida, de fim de algo. Sua música volta a conseguir essa sensação envolvente, um veículo para que o velho sábio canadense recite seus poemas. Na capa aparece Cohen com esse terno e esse chapéu, óculos escuros, inclinando sobre uma janela, como se estivesse viajando e fumando. Um momento, ele não tinha parado de fumar? "Existem caras que não são confiáveis", responde.
Cohen mostrou seu novo trabalho na quinta-feira à noite na residência do cônsul do Canadá em Los Angeles, Califórnia. Nas últimas horas tudo ao redor deste disco tem aroma de despedida de um homem de 82 anos com as forças esgotadas, embora em plenas faculdades artísticas. Em uma longa entrevista na revista The New Yorker, publicada no dia anterior, Cohen impressionou seus fãs dizendo: “Estou preparado para morrer”. Na faixa-título do disco, canta: “Hineni, Hineni (aqui estou, em hebraico) / Estou pronto, Senhor”. Assim, a primeira pergunta é sobre sua saúde. “Disse que estava pronto para morrer. Acho que estava exagerando. Eu pretendo viver para sempre”.
“Qualquer compositor, e Dylan entende isso melhor do que ninguém, sabe que vai escrever canções de todas formas”, continua Cohen. “Se tiver sorte, mantém o veículo saudável e preparado ao longo dos anos. Se tiver sorte, porque seus propósitos têm pouco a ver com isso. Durar muito realmente não é sua escolha”.
A referência a Bob Dylan vem à mente. Todos estão conscientes de que há apenas 12 horas o mundo da música foi abalado pelo anúncio de que o Prêmio Nobel de Literatura deste ano será de Dylan. No ambiente está presente o fato de que Cohen sempre esteve nas apostas para o dia em que o comitê sueco decidisse premiar um desses dois grandes poetas que, além disso, cantam. O prêmio Príncipe de Astúrias o reconheceu em 2011. Nem é preciso perguntar a Cohen sobre o prêmio. “Vou dizer uma coisa sobre o Prêmio Nobel. Para mim, é como colocar uma medalha no Monte Everest por ser o mais alto do mundo”, disse. Dylan é tão grande, de acordo com Cohen, que o prêmio é apenas um detalhe, além de algo óbvio.
“Costumo dizer que se soubesse de onde saem as boas canções, iria até lá mais vezes”, Cohen respondeu quando perguntado sobre sua rotina criativa. “Todo mundo tem seu próprio sistema mágico que utiliza com a esperança de abrir os canais. Minha mente sempre foi muito desorganizada, então procuro maneiras de simplificar o ambiente. Porque se o meu ambiente está tão desorganizado quanto minha cabeça, não poderia nem ir de uma sala para outra. O sistema funciona para mim, apesar de precisar suar cada palavra”.
Os poemas de You want it darker voltam a estar cheios de referências religiosas, algo comum na música de Cohen. Deus é um personagem tão presente em suas canções quanto suas amantes. Mas é apenas uma referência cultural, explica. “Nunca me vi como uma pessoa religiosa, não tenho uma estratégia espiritual. Ocasionalmente, sinto a graça de outra presença na minha vida, mas não lhe dou uma estrutura espiritual. Esse é o vocabulário com o qual cresci. A paisagem bíblica é muito familiar e é normal que use esses pontos como referência. Durante algum tempo foram referências universais e todos entendiam e repetiam. Não é mais assim. Mas continua sendo minha paisagem. Tento ter certeza de que essas referências não sejam muito estranhas”.
A aparente fragilidade física de Cohen contrasta com sua atividade artística. “Talvez nunca esteve tão potente”, diz seu filho Adam, que produziu o disco. “Está no auge de seu poder. Continua sendo, como ele diz, um trabalhador das canções”. Cohen pertence, como Dylan, a uma geração que está desaparecendo depois de mudar o mundo e influenciar a cultura por meio século. “Está passando muito rápido”, diz Adam Cohen. E quem vai substituí-los? “O mais profundo que é feito agora são algoritmos”.
“Obrigado por terem vindo, amigos”, despede-se Cohen, depois de falar da família, da velhice e da sua religião e de recitar um poema aos participantes, como presente. “Espero que possamos fazer isso outra vez. Pretendo viver até os 120 anos”.
Poeta e músico canadense lançou há pouco disco no qual se declarava preparado para o final da vida
PABLO XIMÉNEZ DE SANDOVAL Los Angeles 11 NOV 2016 - 12:51 CST
Leonard Cohen, cantor e poeta canadense que seduziu várias gerações com canções como Suzanne e I'm your man, faleceu nesta quinta-feira aos 82 anos, segundo anunciou sua família em sua página de Facebook. "Com profunda tristeza informamos que o lendário poeta, músico e artista Leonard Cohen faleceu. Perdemos um dos visionários mais prolíficos e reverenciados da música. Será realizado um funeral em Los Angeles em data próxima. A família pede privacidade durante este momento de dor". O entorno de Cohen não informou sobre o momento exato ou as circunstâncias da morte do artista.
Leonard Cohen nasceu no Quebec 1934 e viveu sua velhice em Los Angeles. Aqui, há apenas um mês, em 13 de outubro, apresentou o seu último disco, You want ir darker, na residência do cônsul do Canadá. Foi sua última aparição em público. Lá estavam jornalistas do todo o mundo, aos quais saudou dizendo: “Amigos, muito obrigado. Alguns de vocês vieram de muito longe, e lhes agradeço isso. Outros atravessaram Los Angeles de carro. Demora-se mais ou menos a mesma coisa. Obrigado também”.
Com uma debilidade física evidente, fez os presentes rirem várias vezes com brincadeiras como essa, demonstrando uma energia intelectual intacta. Cohen não se parecia mais com o senhor que, já bastante idoso, emocionou milhares de pessoas numa turnê mundial em 2012, aos 78 anos. Em outubro passado, caminhava muito devagar e falava com pouca energia, embora sua voz de ouro ainda enchesse a sala e se destacasse por sua profundidade.
Leonard Cohen sempre foi reconhecido como poeta tanto quanto por sua música. Em 2011, recebeu o prêmio espanhol Príncipe de Astúrias das Letras, concedido anteriormente a literatos como Günter Grass, Amos Oz e Paul Auster. No discurso de agradecimento, em Oviedo, mencionou sua dupla condição de poeta e músico popular. “Sempre tive sentimentos ambíguos sobre os prêmios de poesia. A poesia vem de um lugar que ninguém controla e ninguém conquista. Então me sinto um pouco como um enganador ao aceitar um prêmio por uma atividade que não domino”. O nome de Cohen foi cotado durante anos para o Nobel de Literatura.
Lançou seu primeiro livro de poemas em 1956, aos 22 anos. Continuou publicando poesia durante os anos 1960, quando começou a gravitar para o universo do pop. Gravou seu primeiro disco em 1968, e costumava comentar que era uma década mais velho que os amigos e contemporâneos com os quais compartilhou o sucesso. Certa vez, disse que optou pela música porque não conseguia ganhar a vida com a poesia. Nos anos 1980, quando sua voz adquiriu a profundidade envolvente que o caracterizou, começou a modelar o personagem da sua velhice. Nessa época publicou Hallelujah, um dos maiores hinos da história da música popular, graças a infinitas versões posteriores.
Várias canções de seu último disco, You Want It Darker, falam do final da vida e da preparação para o encontro com Deus. Apenas alguns dias antes, Leonard Cohen havia avisado ao mundo que pressentia a proximidade deste momento. “Estou preparado para morrer”, disse numa entrevista de grande repercussão ao diretor da revista The New Yorker. Mas, naquela apresentação na casa do diplomata, quis minimizar o assunto. “Fico dramático de vez em quando”, disse. “Espero que possamos fazer isto outra vez. Eu me proponho a viver 120 anos.” Foi o último sorriso de Cohen em público.
Reações pelo mundo
O primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, reagiu à notícia em sua conta do Twitter: “Não há música de nenhum outro artista que soasse e fizesse sentir como a de Leonard Cohen. Seu trabalho alcançou várias gerações. O Canadá e o mundo sentirão sua falta”.
Em poucos minutos, o universo do show business encheu as redes sociais com manifestações de pesar e homenagens a Cohen. Lin Manuel-Miranda, criador de musical Hamilton, com o qual se tornou o artista mais relevante do ano nos Estados Unidos, tuitou um trecho de Bird on the Wire: “Like a bird on the wire / Like a drunk in midnight choir / I have tried, in my way, to be free” (“como um pássaro sobre o fio / como um bêbado no coro da meia-noite / tentei, do meu jeito, ser livre”) . Justin Timberlake o descreveu como “um espírito e uma alma sem comparação”.
A Academia do Grammy, que premiou Leonard Cohen pelo conjunto da sua obra em 2010, disse em nota que “ao longo de uma influente carreira que durou mais de cinco décadas Leonard se tornou um dos poetas mais adorados do pop e uma referência para muitos compositores (…). Sua falta será enormemente sentida.” EL PAÍS
A morte de Leonard Cohen, aos 82 anos, causa comoção no mundo da música. O cantor e compositor canadense acabava de lançar seu último disco,You Want It Darker, que tinha um sabor de despedida. “Estou preparado para morrer”, afirmou ele numa de suas últimas entrevistas. Leonard Cohen, músico e poeta, deixou um legado de composições que ficarão gravadas na mente dos fãs que o acompanharam em cada passo da sua carreira. Estas são sete canções que romperam as barreiras entre as gerações e cativaram milhões de pessoas mundo afora.
Suzanne
Esta canção apareceu no primeiro álbum do canadense, Songs of Leonard Cohen, que saiu em 1967. A letra vem do poema Suzanne Takes You Down (Suzane te leva), publicada um ano antes na coletânea poética Parasites of Heaven. “Esta é uma canção bem antiga, da qual gosto muito, porque é uma canção que as pessoas adoraram”, disse Cohen numa apresentação na década de 1970.
Hallelujah
Cohen compôs este hino em 1984 e a incluiu no seu disco Various Positions, do mesmo ano. Inicialmente, não fez sucesso comercial, mas uma versão do cantor norte-americano Jeff Buckley a popularizou. Desde então, já recebeu inúmeros covers. Esta é uma das interpretações mais recentes do autor original.
So Long, Marianne
O poeta se inspirou na norueguesa Marianne Jensen, a quem conheceu na Grécia no começo da década de 1960. A musa do canadense durante aquela época morreu em julho deste ano em Oslo. Esta canção também estava no seu disco de estreia.
Bird on the Wire
Esta gravação saiu em 1968 no álbum Songs From a Room. Cohen contou em entrevistas que a compôs numa época em que superava uma depressão e Marianne lhe deu um violão para aliviar a dor. Um documentário homônimo foi censurado na década de 1970. “É difícil namorar com a câmera aí”, disse Cohen no filme.
Ain’t No Cure for Love
Música do álbum I’m Your Man, de 1988. Cohen mostra sua faceta mais romântica nesta composição, lançada um ano antes pela cantora Jennifer Warnes em seu álbum-tributo Famous Blue Raincoat.
Famous Blue Raincoat
A letra de Famous Blue Raincoat se refere a uma capa de chuva que ele comprou em Londres, em 1959, e foi furtada no sótão de Marianne em Nova York, como conta nas notas que acompanham uma coletânea sua. Saiu em 1971, como parte do disco Songs of Love and Hate.
Dance Me to the End of Love
Uma das composições de Leonard Cohen que mais receberam covers. A canção original saiu em 1984, no disco Various Positions. Em 1996 foi publicada em livro com a letra da canção e um desenho do pintor Henri Matisse.
Paul Simon: “Me preocupa mais o que Trump pode fazer com o planeta do que com os EUA”
Músico está em turnê na Europa para divulgar seu novo álbum, 'Stranger to Stranger'
FERNANDO NAVARRO Madri 17 NOV 2016 - 11:49 CST
Paul Simon (Newark, EUA, 1941) não gosta de ficar preso ao passado. Nem mesmo quando este é tão recente que metade do planeta ainda tenta assimilá-lo. Três dias se passaram desde que Donald Trump ganhou as eleições nos Estados Unidos e o músico decidiu suspender esta entrevista, combinada para ser feita pelo telefone, no dia seguinte ao da vitória do republicano: não conseguia nem sair direito da cama, de tão “devastado” que estava, explicou o seu manager. Dois dias depois, porém, ele aceitou conversar. E só focava no futuro. “A discussão não pode ser centrada na personalidade de Trump mas sim na quantidade enorme de pessoas que se sentem enganadas, esquecidas, a tal ponto que acabaram votando nele”, observa o cantor, com voz pausada. “O que aconteceu é surpreendente, mas, para retomar algum entendimento nacional, é preciso partir disso e olhar para a frente”.
Simon fala ao telefone a partir de um hotel em Londres onde está hospedado, em meio à turnê europeia para divulgar o álbum Stranger to Stranger. O novo disco traz temas recorrentes de seu cancioneiro, como o amor, a morte, a espiritualidade, mas também a questão da identidade nacional – a faixa Cool Papa Bell é uma homenagem ao ídolo afro-americano do beisebol, que combateu no terreno esportivo a segregação racial nos anos trinta e quarenta – e as consequências da política, que afetam a justiça econômica e o sistema educacional. Assuntos que, com a eleição do multimilionário Trump – que se mostra disposto a expulsar milhões de imigrantes sem documentos e erguer um muro na fronteira dos EUA com o México –, ganham maior importância ainda. “Tenho medo das consequências da sua eleição. Respeito os que votaram nele, mas tudo o que consigo ver é um sujeito autoritário e inescrupuloso na hora de olhar para o seu país e para o mundo”, afirma. “Não estou chateado com o meu país, mas sim com o resultado das eleições. Precisamos entender o que aconteceu. A pergunta é: o que está ocorrendo conosco, como país? Jamais poderíamos imaginar que alguém como ele chegaria ao poder, mas aconteceu. Não existem regras na Constituição para esse tipo de coisa”.O músico sempre foi de pôr as cartas na mesa. Seu apoio ao Partido Democrata é conhecido, tendo ele até mesmo cedido o seu hino America para a campanha de Bernie Sanders, que Simon via como sendo mais qualificado do que Hillary Clinton para enfrentar o furacão populista de Trump. “De qualquer maneira, me preocupa mais o que esse sujeito vai fazer no mundo do que no meu país. Ele não acredita na questão do meio ambiente, por exemplo. Com a visão que tem da natureza, pode causar várias tragédias”, assinala Simon.
Com a peculiar ironia que emprega em seus álbuns solo, ele canta em The Werewolf – faixa que abre o novo disco – o seguinte: “A ignorância e a arrogância / Este é um debate nacional”. O músico, que chegou a se apresentar para meio milhão de pessoas em seu famoso concerto no Central Park com Simon & Garfunkel em 1982, afirma que “a música é terrivelmente importante para toda a sociedade”. “É a principal forma de expressão vital de uma sociedade, seja para a celebração, seja para descrever realidades humanas”, diz. As letras de algumas de suas canções mais conhecidas, como The Sound of Silence ou Bridge Over Troubled Water, ficaram gravadas na memória de mais de uma geração, mas o seu autor admite que o que mais lhe interessa, hoje, é a melodia. “Acredito que o lado sonoro é mais importante do que o lírico. Gosto de explorar diversos sons. Ter a mente aberta, saber que é possível conhecer música em todos os lugares do mundo”.
Do folk pastoral ao gospel, passando pelo pop, pelos sons de raízes africanas ou pela música eletrônica, essa exploração é uma constante em sua carreira solo, que registra alguns fracassos enormes e propostas de um ecletismo de difícil digestão. Mas ele está preocupado apenas com o presente: “Stranger to Strangeré provavelmente o meu melhor disco desde Graceland. Estou muito orgulhoso dele. De como ficou a minha voz, de como usei o meu conhecimento, tanto no nível tecnológico como no filosófico”. Depois comentar por vários minutos as qualidades sonoras do novo trabalho, o cantor surpreende ao destacar que “existe nesse álbum, inclusive, uma busca por ritmos do flamenco. Gosto muito, mas admito que é algo muito difícil para mim. É uma coisa muito passional, fascinante... Você pode pensar nele como no blues do sul dos Estados Unidos”.
Com serenidade, ele faz lembrar, mais uma vez, que não quer falar sobre o passado, a não ser para tirar conclusões que lhe permitam avançar. Muito menos sobre um passado que responde pelo nome Simon & Garfunkel, provavelmente a dupla mais famosa da história, que acabou se dissolvendo por causa da total falta de entendimento entre ele e Art Garfunkel. “Passamos muitos anos juntos, mas as pessoas já não me perguntam tanto sobre isso. Não têm expectativas, pois nunca apareceu nem sequer a possibilidade de um encontro ou algo parecido. Toco canções daquela época nos meus shows, e só. Não é uma pergunta que mereça ser respondida”, observa.
ÍCONES DE UMA OUTRA ÉPOCA
Paul Simon, Leonard Cohen, Keith Richards e Chuck Berry. EL PAÍS
Acaba de sair a notícia da morte de Leonard Cohen, na quinta-feira passada, quando Paul Simon atende ao telefonema do EL PAÍS. “É muito triste. Por acaso, estivemos juntos várias vezes. Não tivemos um relacionamento próximo, mas tínhamos amigos em comum”, conta.
Os dois participaram ativamente da renovação do folk norte-americano a partir da agitada Nova York do final dos anos sessenta e começo dos setenta. Simon, que na ocasião estava se transformando, na velocidade da luz, em porta-voz nacional com a dupla Simon &Garfunkel, admite ter ficado maravilhado com os dois primeiros álbuns de Cohen, Songs for Leonard Cohen (1967) e Songs from a Room (1969). “Era um escritor de verdade. Suas canções eram muito bonitas. Ele levou a beleza a limites desconhecidos dentro da canção. Era incrível como transmitia calma e explorava os seus medos”. A morte de Cohen o leva a lembrar também a de David Bowie. Aos 75 anos de idade, Simon integra um grupo de autores musicais que marcaram época e que aos poucos vão desaparecendo. Coisas do tempo. “É a vida”, suspira Simon.
Um pesquisador encontra o documento de expulsão de 1905 do avô do futuro presidente dos EUA
LUIS DONCEL Berlim 23 NOV 2016 - 17:31 CST
Donald Trump chegará em 20 de janeiro à presidência dos Estados Unidos graças, em grande medida, a um discurso duro contra a imigração. O homem que se propôs “tornar a América grande de novo” poderá nesse momento recordar seu pai, Fred, nascido em solo norte-americano em 1905, poucos meses depois de sua família ser expulsa da Alemanha. A história já era conhecida. Mas um pesquisador encontrou agora o documento que certifica o momento em que a família Trump teve de fazer as malas e buscar a vida na outra ponta do mundo.
Na época não podiam saber, mas as autoridades bávaras iriam mudar a história do século XXI com uma carta. “Informa-se o cidadão americano Friedrich Trump. Agora residente em Kallstadt, que dispõe até 1 de maio do presente ano para abandonar o Estado da Baviera. Caso contrário, deve estar preparado para sua expulsão”, dizia o documento datado de 27 de fevereiro de 1905, publicado pelo jornal Bild.
A história é tão intrincada quanto fascinante. Friedrich já havia abandonado Kallstadt em 1885, com apenas 16 anos. Como tantos alemães, chegava a uma América imersa na febre do ouro com desejo de fazer fortuna. Mas, em vez de buscar o metal precioso, ele se dedicou a abrir locais onde oferecia comida, bebida e, segundo sua biógrafa Gwenda Blair, prostitutas. O negócio andou bem e, já com dinheiro no bolso, voltou à sua cidade natal. Ali conheceria sua mulher, Elisabeth.
Depois de idas e vindas, a família decidiu estabelecer-se definitivamente em Kallstadt, que na época pertencia ao reino da Baviera e, hoje, ao Estado da Renânia-Palatinado. Mas os entraves administrativos se interpuseram em seu caminho. “Ao emigrar aos EUA em 1885, Trump partiu sem notificar seu país, como era obrigado, e sem cumprir o serviço militar. Por esse motivo, as autoridades lhe negaram em 1905 a renacionalização”, afirma Paul, diretor emérito do Instituto de História e Folclore do Palatinado.
O avô do presidente eleito fez de tudo para revogar a decisão. Escreveu uma carta ao “mui querido, nobre, sábio e justo soberano” príncipe regente Leopoldo, na qual lhe pedia permissão para ficar. Sem sucesso. A família Trump abandonaria a Alemanha de forma definitiva em 1 de julho de 1905, rumo a Nova York. Ali nasceria três meses depois o pai do que hoje pode ser um dos homens mais famosos do mundo.
Está sendo difícil para Kallstadt se acostumar com a popularidade. Antes da vitória de Trump, muitos moradores diziam esperar que não ganhasse. Primeiro, porque a cidade se encheria de curiosos. Segundo, porque, como reconhecia seu prefeito, não sentia uma grande simpatia por Trump. “Aqui são muito mais queridos os Heinz que os Trump”, afirmava a EL PAÍS em junho Simone Wendel, diretora do documentário Kings of Kallstadt. Porque a família Heinz, mundialmente famosa pelo vinho, também procede desta pequena localidade vinícola. Na popularidade dos Heinz também influem os 40.000 euros (143.000 reais) que a família doou para reparar o órgão da igreja. Na cidade ninguém se lembra de um gesto parecido por parte de Donald Trump. Embora, claro, o futuro presidente aparecesse no documentário de Wendel. “Adoro Kallstadt”, afirmava.
25 anos da morte de Freddie Mercury: Assim viveu seus últimos dias
Músico tentou conferir normalidade à sua vida até suas últimas consequências, trabalhando muito
CARLOS PÉREZ DE ZIRIZA 25 NOV 2016 - 07:52 CST
Em fevereiro de 1987, Prince editava um single espetacular – que falava sobre alguns dos males dos anos 80 com sintética clarividência – em cuja primeira linha de texto se fazia uma referência, sem nomeá-lo, ao vírus da AIDS. Somente dois meses mais tarde, aquela “grande doença com um nome pequeno” que o gênio de Minneapolis utilizou para iniciar o categórico relato de Sign O’ The Timesentrava no organismo de Freddie Mercury, apesar dele se empenhar em negar a uma imprensa ávida por sensacionalismo barato. Se acreditarmos nas palavras de Jim Hutton, companheiro do líder do Queen durante seus últimos seis anos de vida, Freddie Mercury foi a primeira celebridade do mundo do rock a aumentar a lista de vítimas ilustres da doença, mas ninguém o fez desistir de sua vontade de aparentar normalidade e continuar trabalhando até o último suspiro. Até o ponto em que em 23 de novembro de 1991, a somente 24 horas de sua morte, ele por fim emitiu um comunicado público para anunciar que havia contraído a fatal doença.
O segredo que Freddie Mercury fazia da doença se contradizia com o aspecto que mostrava em suas já intermitentes aparições públicas, mas se moldava ao caráter de um músico que, em claro contraste com seu explosivo comportamento nos palcos, tinha aversão pelas entrevistas e qualquer espécie de exposição pública de sua intimidade. Os sinais eram mais do que evidentes: a banda não fez a turnê promocional de The Miracle (Capitol, 1989) e a ida do quarteto para receber o prêmio Brit por sua contribuição à música britânica, em 18 de fevereiro de 1990, mostrou o vocalista com um aspecto físico muito ruim, extremamente magro e pálido.
Talvez tenha sido essa vontade que tenha feito com que a banda continuasse sua trajetória normalmente e que explique o fato do Queen não ter pensado, em nenhum momento, em um álbum-testamento como o último de Bowie. Ainda que qualquer um que prestasse um pouco de atenção ao single These are The Days Of Our Lives, gravado em maio de 1991, se daria conta de que sua letra era um epitáfio vital, apesar de ter vindo de um texto que o baterista Roger Taylor escreveu originalmente pensando em seus filhos, e que não demorou em mudar no último adeus ao seu frontman. De qualquer forma, a última canção de Mercury foi Mother Love, depois incluída no póstumo Made In Heaven(Hollywood, 1995), como reconheceu Brian May, que não teve pudor em recrutar anos mais tarde Paul Rodgers (Free) e Adam Lambert (participante do American Idol) para reativar a marca Queen em pleno século XXI. Sim, o show deveria continuar, mas cabe a pergunta se a qualquer preço.
Desde 24 de novembro de 1991, a casa de Freddie Mercury em Kensington (Londres) se transformou em um local de peregrinação para fãs e devotos. E a música do Queen, tão questionada em sua época por grande parte da crítica (os austeros 90, com a angústia grunge, o eufórico, mas sombrio tradicionalismo brit pop e a ameaçadora tensão pré-milênio do trip hop, não combinavam nem um pouco com seus fogos de artifício), começou a ser vista com outros olhos e a ser relativizada com a distância. Não em vão, o transformismo de Lady Gaga nos palcos – seu próprio nome artístico o revela – e a grandiosidade do Muse são, para o bem e para o mal, filhos dos vigorosos e espetaculares trejeitos de palco de um artista cuja personagem se impôs a todos e a cada um dos estilos com os quais flertou, seja o rock progressivo, o hard rock, a música disco e o bel canto.
Caracas, uma das cidades mais violentas do mundo. C. G. RAWLINS
Como se sobrevive na cidade mais perigosa do mundo
Venezuelanos se mantêm em estado de alerta permanente, num país onde a violência urbana se tornou uma epidemia incontrolável
CRISTINA MARCANO 3 DEZ 2016 - 17:00 CST Caracas, uma das cidades mais violentas do mundo. C. G. RAWLINS
Há cenas cotidianas em Caracas que nunca deixam de surpreender. Você está ao volante, preso num congestionamento na hora do almoço, e de repente sente batidas na janela. Um motociclista golpeia o vidro com o cano de uma pistola e exige: “O celular ou atiro”. Uma ameaça semelhante se repete, com uma faca cutucando as costelas da vítima, em meio ao alarido da saída do metrô.
Num feriado tranquilo, você sai para comer um hambúrguer. Está a duas quadras da delegacia de um bairro nobre. Um carro com vidros escuros ultrapassa o seu veículo e para num sinal vermelho. Outro carro o bloqueia por trás. Dois homens descem e apontam armas. Em segundos, você se torna vítima de um sequestro-relâmpago, um dos crimes mais comuns e traumáticos no amplo repertório delitivo venezuelano.
Você resolve visitar um amigo. A rua onde ele mora está bloqueada por uma cancela. Uma câmera grava a placa do seu carro. Outra registra o seu rosto enquanto você mostra o RG ao segurança particular. Por um momento, você se torna um suspeito. O guarda interfona para receber autorização e o deixa passar. Na primeira vez, é revoltante. Depois, você tenta compreender: quantas coisas já não terão acontecido nesta rua?
Poucos países fazem o indivíduo se sentir, com tamanha frequência, um animal – primitivo, indefeso, acuado. Na Venezuela, viver com medo é imprescindível. A pessoa não pode se descuidar nem por um segundo. Andamos por esta selva como cervos acossados por predadores implacáveis. Aqui, o canal Animal Planetpoderia documentar fartamente a coreografia do medo na nossa espécie.
Quando o venezuelano sai da toca, automaticamente entra em estado de alerta. Sua linguagem corporal reflete o nervosismo dos seres vulneráveis, de quem sabe que a cada dia corre o risco de ser a próxima vítima.
Não é preciso saber que disputamos com Honduras o recorde mundial de homicídios para sentir um profundo desânimo. Não importa o quanto os militares se autocongratulem por suas operações de segurança enquanto, paradoxalmente, se dizem protegidos com coletes à prova de balas; nem que a mídia estatal nos retrate como se fôssemos um país tão aprazível quanto a Finlândia.
Podemos seguir o rastro do sangue, desenhar os passos de milhares de vítimas sobre o asfalto, plantar quilômetros de cruzes, contar, quarteirão por quarteirão, os crimes cometidos nos nossos bairros. A violência é uma tatuagem indelével.
Esta caçada inclemente – mais de 250.000 mortes violentas nos primeiros 15 anos do século, segundo o Observatório Venezuelano da Violência (OVV) – nos transformou em criminologistas espontâneos. Especialistas nos múltiplos modi operandi da bandidagem, temos a mais indesejável e inútil das bagagens.
Nós, venezuelanos, radiografamos o próximo com desconfiança, evitamos usar o celular na rua e não estamos acostumados a nos aproximar para ajudar motoristas supostamente perdidos. A apreensão permanente é quase um amuleto. A paranoia virou parte de nossa identidade. Como não ter medo num país onde os delinquentes já usaram granadas para atacaram quartéis da polícia, onde assassinam policiais e militares para roubar as suas armas?
Em poucos segundos você se torna vítima de um sequestre-relâmpago, um dos crimes mais comuns no amplo reportório delitivo da Venezuela
Sabemos que uma vida vale tanto quanto um celular, um relógio qualquer, uma moto, uma carteira, um carro, um par de tênis. Ou o punhado de dinheiro que familiares e amigos conseguirem reunir, ao longo de algumas horas frenéticas, para pagar um resgate. E que é preciso dominar o instinto de resistir, sob pena de terminar em um necrotério abarrotado de cadáveres.
A violência é tão corrente que, se saímos ilesos de um roubo ou um sequestro, nos dizem para darmos graças a Deus, já que nada nos aconteceu. Nada. Demos sorte.
Sobrevivemos numa fuga constante em um dos habitats mais selvagens do planeta. A Venezuela é um campo minado, um fosso de impunidade, onde não há detidos em 92 de cada 100 homicídios. Aqui as empresas de segurança oferecem serviços inusitados: guarda-costas por hora, táxis blindados, cursos de “defesa imediata e sobrevivência urbana”.
O risco é tão real que os pais de classe média fazem qualquer sacrifício para tirar seus filhos do país e colocá-los a salvo. O medo é uma epidemia que já deslocou centenas de milhares de venezuelanos.
Habitar uma paisagem tão sangrenta é conhecer a insônia e os soníferos, acordar sobressaltado, sonhar que estamos sendo perseguidos, saber distinguir o estampido seco de um tiro do barulho de um rojão. É a vigília quando os filhos vão para a balada, são as festas do pijama improvisadas não por diversão, mas por causa da insegurança.
São as renúncias que vão virando hábito: deixar de sair à noite ou de contemplar o entardecer numa praia tão linda quanto perigosa. Despedidas abruptas, sair de uma reunião social em manada para ter companhia, andar de ônibus rezando a qualquer deus para que não assaltantes não subam, dirigir como se estivesse fugindo, suspirar de alívio ao entrar em casa. A Venezuela é o desassossego perene, e um luto coletivo que não termina.
CRISTINA MARCANOé jornalista venezuelana, autora, com Alberto Barrera, do livro ‘Hugo Chávez Sin Uniforme: Una Historia Personal’.
Nos últimos anos proliferam as mobilizações movidas pela raiva dos cidadãos. Algumas são positivas, mas não sempre evoluem na direção adequada
MARIO VARGAS LLOSA 30 OUT 2016 - 05:07 CST
O jornalista alemão Dirk Kurbjuweit, da Der Spiegel, inventou alguns anos atrás a expressão Wutbürger, que significa “cidadão raivoso”, e no The New York Times de 25 de outubro Jochen Bittner publica um interessante artigo em que afirma que a raiva que em certas circunstâncias mobiliza amplos setores de uma sociedade é um fenômeno com duas faces, uma positiva e uma negativa. Segundo ele, sem esses cidadãos raivosos não teria havido progresso, nem seguridade social, nem trabalho remunerado de forma justa, e ainda estaríamos no tempo das satrapias medievais e da escravidão. Mas, ao mesmo tempo, foi uma epidemia de raiva social que espalhou corpos decapitados pela França do Terror e que, nos nossos dias, acabou levando ao brutal retrocesso que o Brexit significa para o Reino Unido ou que fez com que exista na Alemanha um partido xenófobo, ultranacionalista e antieuropeu –o Alternativa pela Alemanha – que, segundo as pesquisas, conta com o apoio de nada menos do que 18% do eleitorado. Acrescenta, ainda, que o melhor representante do Wutbürger nos Estados Unidos é o inapresentável Donald Trump, além do surpreendente apoio com que ele conta.
Eu gostaria de acrescentar alguns outros exemplos recentes de uma “raiva positiva”, a começar pelo caso do Brasil, a respeito do qual, a meu ver, houve uma interpretação enviesada e falsa da defenestração de Dilma Rousseff da Presidência. Esse fato foi apresentado como uma conspiração da extrema direita para acabar com um Governo progressista e, sobretudo, impedir o retorno de Lula ao poder. Não é nada disso. O que mobilizou vários milhões de brasileiros e os levou a sair para as ruas em manifestações maciças foi a corrupção, um fenômeno que havia contaminado toda a classe política e do qual se beneficiavam igualmente líderes da esquerda e da direita. Ao longo dos últimos meses, foi possível observar como a foice do combate à corrupção se ocupou de colocar na cadeia, igualmente, parlamentares, empresários, dirigentes sindicais e associativos de todos os setores políticos, um fato a partir do qual tudo o que se pode esperar é uma regeneração profunda de uma democracia que a desonestidade e o espírito de lucro haviam infectado até chegar ao ponto de provocar uma bancarrota nacional.
Talvez ainda seja um pouco cedo para comemorar o ocorrido, mas minha impressão é de que, entre ganhos e perdas, a grande mobilização popular no Brasil foi um movimento mais ético do que político e extremamente positivo para o futuro da democracia no gigante latino-americano. É a primeira vez que isso acontece; até agora, as mobilizações populares tinham objetivos políticos –protestar contra os abusos de um Governo e a favor de um partido ou um líder– ou ideológicos –substituir o sistema capitalista pelo socialismo–, mas, neste caso, a mobilização tinha como objetivo não a destruição do sistema legal existente, mas a sua purificação, a erradicação da infecção que o envenenava e que podia acabar com ele. Embora tenha conhecido uma trajetória diferente, não é algo muito distinto daquilo que aconteceu na Espanha: um movimento de jovens atiçados pelos escândalos de uma classe dirigente que causou em muitos a decepção com a democracia e os levou a optar por um remédio pior do que a doença, ou seja, ressuscitar as velhas e fracassadas receitas do estatismo e do coletivismo.
O que mobilizou vários milhões de brasileiros e os levou a sair para as ruas em manifestações maciças foi a corrupção
Outro caso fascinante de “cidadãos raivosos” é o que vive a Venezuela hoje. Em cinco ocasiões, o povo venezuelano teve a possibilidade de se livrar, por meio de eleições livres, do comandante Chávez, um demagogo pitoresco que oferecia “o socialismo do século XXI” como a cura para todos os males do país. A maioria dos venezuelanos, aos quais a ineficiência e a corrupção dos Governos democráticos levaram a se desencantar com a legalidade e a liberdade, acreditou nele. E pagou caro por esse erro. Por sorte, os venezuelanos perceberam isso, retificaram sua visão, e hoje há uma esmagadora maioria de cidadãos –como mostraram as últimas eleições para o Congresso– que pretende consertar aquele equívoco. Infelizmente, já não é tão fácil. A camarilha governante, aliada à nomenclatura militar bastante comprometida com o narcotráfico e à assessoria cubana em questões de segurança, enquistou-se no poder e está disposta a defendê-lo contra ventos e marés. Enquanto o país se afunda na ruína, na fome e na violência, todos os esforços pacíficos da oposição, valendo-se da própria Constituição instaurada pelo regime, para se livrar de Maduro e companhia se veem frustrados por um Governo que ignora as leis e comete os piores abusos –incluindo crimes– para impedi-lo. Ao final, essa maioria de venezuelanos acabará se impondo, é claro, como aconteceu com todas as ditaduras, mas o caminho ficará semeado de vítimas e será muito longo.
Seria o caso de comemorar o fato de que não existem apenas cidadãos raivosos negativos, mas também os positivos, como afirma Jochen Bittner? Minha impressão é de que é preferível erradicar a raiva da vida dos países e procurar fazer com que esta se dê dentro da normalidade e da paz, e que as decisões sejam tomadas por consenso, por meio do convencimento ou do voto. Porque a raiva muda de direção muito rapidamente; de bem-intencionada e criativa, pode passar a ser maligna e destrutiva, caso a direção do movimento popular seja assumida por demagogos, sectários e irresponsáveis. A história latino-americana está impregnada de muita raiva, e, embora esta se justificasse em muitos casos, quase sempre ela se desviou de seus objetivos iniciais e acabou gerando males piores do que os que pretendia remediar. É um tipo de situação que teve uma demonstração explícita com a ditadura militar do general Velasco, no Peru dos anos sessenta e setenta. Diferentemente de outras, ela não foi de direita e sim de esquerda, e implantou soluções socialistas para os grandes problemas nacionais, como o feudalismo rural, a exploração social e a pobreza. A nacionalização das terras não beneficiou em nada os camponeses, mas sim às gangues de burocratas que se dedicaram a saquear as fazendas coletivizadas, e quase todas as fábricas que o regime nacionalizou e confiscou foram à falência, aumentando a pobreza e o desemprego. No fim, foram os próprios camponeses que começaram a privatizar as terras, e os operários das indústrias de farinha de peixe foram os primeiros a pedir que as empresas arruinadas pelo socialismo velasquista voltassem para as mãos da iniciativa privada. Todo esse fracasso teve um efeito positivo: desde então, nenhum partido político no Peru se atreve a propor a estatização e a coletivização como uma panaceia social.
Seria o caso de comemorar o fato de que não existem apenas cidadãos raivosos negativos, mas também os positivos?
Jochen Bittner afirma que a globalização favoreceu, acima de tudo, os grandes banqueiros e empresários, e que isso explica, embora não justifique, o ressurgimento de um nacionalismo exaltado como aquele que transformou a Frente Nacional em um partido com chances de vencer as eleições na França. É muito injusto. A globalização trouxe enormes benefícios para os países mais pobres, que agora, se souberem aproveitá-la, poderão enfrentar o subdesenvolvimento com mais rapidez e melhor do que no passado, como mostram os países asiáticos e os países latino-americanos –caso do Chile, por exemplo– que, ao abrirem suas economias para o mundo, cresceram de forma espetacular nas últimas décadas. Parece-me um erro muito grave acreditar que progresso significa combate à riqueza. Não, o inimigo a ser eliminado é a pobreza, e também, é claro, a riqueza ilícita. A interconexão do mundo graças à lenta dissolução das fronteiras é uma coisa boa para todos, em especial para os pobres. Se ela prosseguir e não se afastar do caminho certo, talvez cheguemos a um mundo em que já não será preciso haver cidadãos raivosos para que as coisas melhorem.
Confronto entre a Guarda Nacional e manifestantes em um bairro rico de Caracas, em 2014. NATALIE KEYSSAR
Um extravio chamado Venezuela
Escritora narra, em primeira pessoa, a rotina dos que vivem entre o caos e o desafio de seguir adiante
CRISTINA MARCANO Caracas 24 MAI 2016 - 14:19 CDT “O caminho reto estava perdido”. Dante, Divina Comédia
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O momento em que seu olhar se depara pela primeira vez com um fuzil na entrada de um supermercado é inesquecível. Você está desprevenida pensando no almoço e, de repente, é surpreendia por esse longo cano preto tão fora de lugar. A minha primeira vez foi em uma manhã ensolarada de 2012. Talvez o soldado que exibia a arma também se lembre. Ele parecia estar desconfortável, como se estivesse estreando nessa missão. Franzia a testa em uma vã tentativa de endurecer o seu rosto de menino
Tinha sido enviado para lá para evitar tumultos. Os clientes se alinhavam em uma fila, como formigas, para comprar o produto mais comum de nossa dieta: farinha de milho para fazer arepas. Outro soldado, tão jovem como ele, cuidava da retaguarda naquele enorme mercado localizado em frente uma das estações de metrô mais movimentadas de Caracas (Venezuela).
Atravessei o parque do Leste, um oásis de 82 hectares de onde a vista do Ávila –uma montanha muito verde ao norte da capital venezuelana– é tão esplêndida que recarrega a energia e o otimismo.
Uma hora depois, ao retornar, a fila permanecia tão longa quanto, como se o tempo tivesse parado. Os soldados no mesmo lugar, na mesma posição. A fila estava do mesmo tamanho, enquanto alguns clientes saiam com sua carga de quatro quilos de farinha dentro de um saco plástico branco. À época, aquilo não era tão comum. Começava a acontecer esporadicamente.
Apesar da tensão política que nos agoniava há muito tempo, ainda levávamos uma vida bastante normal, dentro do padrão latino-americano. Nossa principal preocupação era a violência, essa epidemia implacável que nos encurrala. O maná venezuelano era vendido a quase 100 dólares por barril e 98% dos venezuelanos comiam três vezes ao dia, de acordo com a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO).
Aquele encontro inesperado com o fuzil no mercado foi, no entanto, um mau presságio, o prólogo antecipado de um livro que estava por ser escrito. O presidente Hugo Chávez tinha vencido sua última reeleição há poucas semanas, mas perdia a batalha contra o câncer. Todos nós sabíamos que ele estava morrendo. Assim como morreria em breve a fantasia do petróleo. Assistíamos ao final de uma utopia.
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Meninos fantasiados no Carnaval de 2014, um ano depois da morte de Chávez. NATALIE KEYSSAR
É provável que tenha feito calor demais durante o Carnaval de 2014. Ou que os uniformes camuflados fossem daquele poliéster que raspa a pele. Ou, simplesmente, que os meninos de boina vermelha tenham ficado tempo demais na mesma posição, sobre a caminhonete cheia de balões vermelhos e fotos de quando Chávez era candidato presidencial. O fato é que esses pequenos, fantasiados como o herói de seus pais, estão entediados até a morte, alheios a seu papel na construção do mito.
O desfile transcorre ao ritmo do samba no Paseo de Los Próceres, em frente ao maior forte militar da Venezuela, e o ministro do Turismo celebra a operação do feriado –“a festa mais legal”–. A atmosfera é de tensão, desafio e medo.
O país está há duas semanas em ebulição. O barulho dos fogos de artifício se confunde com o dos tiros. O sol mais radiante, com a névoa mais escura. Os protestos contra a insegurança, a inflação e a escassez, iniciados pelos estudantes e liderados por um setor da oposição, estão no auge. Há uma batalha feroz em várias cidades. E se multiplicam –espontânea ou artificialmente– as queixas que nos dividem.
Enquanto se comemora em Los Próceres, não param de cair bombas de gás lacrimogêneo, balas e golpes contra os manifestantes. Nem pedras e coquetéis molotov contra a polícia e os soldados que chegam às zonas de combate com tanques e motocicletas, às vezes acompanhados de civis. Há ruas bloqueadas por lixo, paus e pneus. A lista de feridos ultrapassa 250. A de detidos supera mil.
Policial da tropa de choque nas manifestações de 2014, no bairro abastado de Altamira, em Caracas. NATALIE KEYSSAR
Ainda não se acabou de assentar a terra nas sepulturas de 18 vítimas. Jovens que estavam na linha de frente ou que fugiam da polícia, universitários de rostos apagados por espingardas, policiais e soldados baleados, algum passante com péssima sorte, uma grávida desprevenida, motoristas surpreendidos por barricadas. Pessoas que estavam a favor ou contra o governo, mas que nunca pensaram que isso lhes custaria a vida.
Em um dia passamos do Carnaval mais longo e delirante que já tínhamos vivido à comemoração do primeiro aniversário da morte do Comandante Supremo e Eterno, com um programa de 10 dias para lembrar o Cristo dos pobres. Assim é descrito por seu herdeiro, o presidente Nicolás Maduro.
A luta nas ruas não acaba e se prolonga por várias semanas. Até somar 43 mortos, mais de 800 feridos, 3.351 presos e dezenas de denúncias de tortura. A Procuradoria admite 183 violações de direitos humanos e 166 de tratamento cruel. Por esses dias, tudo parece preto e branco. Mas nada é tão uniforme como alguns querem fazer parecer. Enquanto um soldado bate ou atira para matar, outro aponta a arma e pisca um olho para que você fuja rapidamente.
Que tão perigosa é essa belíssima jovem que leva uma etiqueta de "estudante venezuelana" no coração? Que tão feroz é a agente de polícia que humaniza sua vestimenta de choque pintando os lábios de cereja? Quais são os seus antagonismos reais, suas diferenças irreconciliáveis? Será que as duas não compartilham esse estado perene de frustração e medo em que todos nós vivemos por causa dos grandes recordes registrados na Venezuela? Nada menos do que a maior inflação do mundo e a criminalidade mais mortal da América do Sul.
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Amarelis López desperta na escuridão, acende a luz e se veste rapidamente. Hoje é o seu dia. Às 4h da manhã, quando chega ao supermercado, outros caçadores esperam no estacionamento. A visão de um fuzil não surpreende ninguém. Faz parte da paisagem. A enfermeira, com paciência evangélica, se dispõe a esperar de pé enquanto for necessário.
Uma estudante em uma manifestação na cidade de San Cristóbal, durante os protestos de 2014. NATALIE KEYSSAR
O Governo estabeleceu turnos, de acordo com o último número da carteira de identidade, para a compra de 50 produtos básicos que são subsidiados e cuja distribuição é controlada pelos militares. Na sexta-feira, por exemplo, é o dia daqueles que têm documentos terminados em 8 e 9. Além disso, antes de pagar, é preciso colocar o dedo sobre uma máquina de leitura de impressões digitais, como na imigração dos Estados Unidos, para confirmar que você realmente é você.
Fazer uma compra de produtos básicos se tornou um pesadelo, mas se pode facilmente comprar 453 variedades de vinho, 28 de uísque escocês e 20 de champanhe se você tem muito dinheiro. Ou uma mostarda Dijon com geleia de laranja da La Grande Épicerie de Paris.
Passaram-se três anos da morte de Chávez. Algumas pessoas carregam seu rosto ou sua assinatura tatuados no corpo. O conflito não acaba. Seus fiéis sentam a falta dele mais do que nunca.
Quem diria que debaixo dessa superfície maltratada, onde as pessoas esperam horas para comprar farinha, onde se rouba a comida das crianças de uma escola primária, há um verdadeiro oceano de petróleo? As maiores reservas do planeta Terra: 296,5 bilhões de barris. E a quarta maior de gás. Minas de ouro suficientes para que até mesmo as Forças Armadas explorem uma parte. E diamantes e coltan.
Somos um paradoxo amargo: o país rico mais pobre do mundo. Cegado por essa sorte que caiu do céu, sempre acreditando que as vacas gordas são eternas. O boom desinflou. A chuva de petrodólares cessou. Outra vez. Como nos anos 1980, quando um presidente assumiu o cargo alertando que recebia "um país hipotecado". Estamos tão arruinados que dá raiva. Na pior falência que já experimentamos.
Menino brinca em um parque no dia das últimas eleições. NATALIE KEYSSAR
As receitas –96 de cada 100 dólares provêm da exportação de petróleo– já não são suficientes para continuar importando 70% do que comemos, a grande maioria dos medicamentos e milhares de outras coisas. Passamos da abundância à tragédia de ter que vagar de comércio em comércio farejando alguma presa, às vezes deixando a farmácia com um nó na garganta e de mãos vazias.
Cinco horas depois de chegar, Amarelis sai chateada, com dois quilos de leite em pó. Nada mais. Na sexta-feira passada não conseguiu nada regulado. "Não tenho arroz, nem farinha, nem pão, nem café. Estamos tomando café da manhã com cazabe [biscoito de farinha de mandioca]. Você acha que isso é justo?", exclama explosivamente, ignorando as lições de seu Senhor. Ele entenderá que sua ovelha está há muitos meses nesse suplício.
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O Governo atribui a escassez e a inflação, que em 2015 atingiu o recorde histórico de 180,9%, a uma guerra econômica do imperialismo. E a oposição culpa o governo. Mas mesmo as explicações mais intelectualizadas dos economistas não servem de alívio para a maioria dos 30 milhões de venezuelanos que empobrecem vertiginosamente.
Belkys Márquez tem quatro filhos, com idades entre 6 e 14 anos. Trabalha como caixa de banco. É esse tipo de pessoa que sempre sorri quando fala. Exceto quando conta, com algum constrangimento, que não pode jantar porque a comida não é suficiente. Três em cada 10 venezuelanos estão na mesma dieta forçada. São 13,4% os que comem uma vez por dia e apenas 53% podem fazer as três refeições. Isso é o que revela uma pesquisa realizada pelo Instituto Venezuelano de Análise de Dados (IVAD) em abril e divulgada na imprensa local.
Mulher carrega pacotes de farinha para arepas, um dos produtos básicos em falta. NATALIE KEYSSAR
O salário mínimo –que aumentou, por decreto, em 50% até agora este ano— é realmente mínimo em comparação com a inflação dos alimentos: 254,43% em um ano (setembro de 2014 a setembro de 2015), segundo o Banco Central. Belkys ganha 501,6 bolívares por dia, mais 664 de bônus de alimentação: 1.165 bolívares por dia. Isso é o que custa uma arepa com queijo na rua. No total, 33.636 bolívares mensais, cerca de 110 reais no mercado negro.
Também é minúsculo em relação ao custo da cesta básica, que inclui 58 produtos para uma família de cinco membros, e em março passado custava 142.853 bolívares (mais de quatro vezes sua renda atual).
Esse preço também é inacessível para muitos profissionais de classe média, médicos, advogados, engenheiros. O salário diário de um professor universitário, com doutorado em Columbia, equivale a três cervejas.
Algumas vezes Belkys teve que recorrer aos bachaqueros, como eles chamam os revendedores em referência a bachaco, uma formiga grande e voraz. Subornando a quem for preciso –militares, distribuidores, empregados—, eles compram e vendem produtos regulamentados até 40 vezes mais caros. Um quilo de arroz, de 25 bolívares por 1.040; um de farinha, de 19 por 800; uma caixa de ovos (30 unidades), de 420 bolívares por 2.200. Em qualquer fila são reconhecidos de imediato. Vão em grupos, com ar ameaçador, e estão dispostos a te mostrar uma faca se você reclamar. Eles se adiantam, entrem na frente e acabam comprando mais do que todo mundo. Os bachaqueros vendem seus produtos abertamente nas calçadas de áreas populares. Alguns têm, até mesmo, serviço de entrega em domicílio para a minoria que pode pagar.
As pessoas chegaram ao limite. Nervosas –encolerizadas– é a palavra mais ouvida. E explodem a intervalos cada vez menores. Sem importar que haja fuzis à vista, saem da fila, amontoam-se na porta, arremetem e entram, passando por cima dos vidros quebrados e de quem ficar no caminho. Na Semana Santa aconteceu 21 vezes. Em média, foram três saques por dia. O relato é do vice-presidente, Aristóbulo Istúriz. Os protestos de rua se multiplicam. Contra a escassez, por melhores salários, contra os apagões e a falta de água. A exaustão é sentida em cada esquina. A exaltação faz centenas de militares ficarem nas ruas.
A situação é tão extrema que o chefe do Ministério da Alimentação, um general do Exército, percorre áreas populares com sacolas de comida (arroz, farinha, macarrão, frango, óleo), à frente de uma operação de venda de casa em casa. O Estado tem uma rede de 22.000 pontos de armazenagem, distribuição e expedição de produtos. Quando voltaremos a ir normalmente ao mercado?
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Na Venezuela há as pessoas mais afetuosas. E também os criminosos mais frios e impiedosos. E seres que sofrem mutação nesse caldo de punição e impunidade, tão fora do usual, tão inédito, num Governo com uma presença militar tão forte e tão extensa. Seres como os que sobem nas redes sociais vídeos de ladrões em chamas, vítimas das mais macabras representações de Fuenteovejuna [localidade espanhola palco de um linchamento no século 15]. Nos quatro primeiros meses deste ano houve 74 linchamentos, em que metade dos delinquentes morreram, segundo o Ministério Público. Média de mais de 18 por mês. Fartos de pedir segurança e justiça, sem conseguir, entre e 60% 65% da população aprova a barbárie, segundo pesquisa do Observatório Venezuelano da Violência (OVV).
O comissário Rafael Graterol, em seu escritório no perigoso bairro de Petare. NATALIE KEYSSAR
Sobrevivemos há tanto tempo com tanto medo. Num estado de alerta permanente, com um olhar estroboscópico. Enclausurados atrás de muros e cercas sem fim. Preocupados com um enxame de motociclistas anárquicos, sem conseguir distinguir quais estão armados e dispostos a estourar os miolos de quem não lhes entrega o celular, a carteira ou o carro.
Somos jogadores involuntários de uma tétrica loteria que a cada meia hora despacha alguém desta para a melhor. Por dia, 52. Por mês, 1.565.
Um morro de 4.696 no primeiro trimestre deste ano. Uma montanha de 17.778 pessoas em 2015 (índice de 58,1 por 100.000 habitantes, segundo o Ministério Público). Ou uma cordilheira de 27.875 venezuelanos (90 por 100.000), segundo o OVV. Enterros e cremações demais, milhares de órfãos, viúvos, pais desolados.
Os sequestros expressos estão em alta – e se dolarizaram, com a queda do Bolívar. Os sequestradores podem tratar bem a vítima ou bater nela. Conformar-se com o que a pessoa leva, se acreditarem que a família está em dificuldades, só tendo o bastante para as despesas do dia. Ou largá-la na estrada, como um cachorro, atirando em suas nádegas. Alguns fazem a gentileza de dar dinheiro para o táxi, depois de pago o resgate. Outros matam.
Quadrilha de sequestradores do violento bairro de Antimano, em Caracas, em um dos locais onde escondem suas vítimas. NATALIE KEYSSAR
Que tipo de sequestrador é o destes três jovens mascarados que posam com altivez, e talvez com docilidade, para a câmera? Um deles confidencia à fotógrafa que não encontrou outra forma de sair da pobreza. Que, na verdade, não querem fazer mal a ninguém. Mas esclarece: “Se eu te sequestrasse e você me tratasse com respeito, pegaríamos seu dinheiro e você viveria. Mas se não, teria que te matar. Não pensaria duas vezes”.
Pergunto-me se a pistola que ele empunha como se fosse um prolongamento de sua mão terá pertencido a algum policial assassinado para sua arma ser tomada. Como Osmary Tavare, de 27 anos, morta com um tiro na cabeça enquanto fazia de bicicleta uma patrulha pelo Leste de Caracas numa bela manhã de abril.
No ano passado, 344 funcionários do setor de segurança, 65 deles militares, foram assassinados para o roubo de suas armas de foto, segundo dados da ONG Fundepro. A
caçada é brutal. Os agentes são alvos ambulantes. Os bandidos, que se juntam em quadrilhas cada vez maiores, ficaram tão ousados que se atrevem a atacar com granadas quartéis da polícia.
Yohangel Márquez, de 33 anos, acabou nesse túmulo em que uma cruz se eleva sobre um grosso tapete de flores, rodeado por mulheres com sombrinhas. Estava sem uniforme, numa festa ao ar livre, quando um bandido a reconheceu e esvaziou o revólver em seu rosto. Márquez trabalhava na polícia do Estado de Miranda. Não é o primeiro agente que o comissário Rafael Graterol viu cair. Em suas pupilas apagadas parece haver funerais em excesso. Em seus ombros curvados, mais de uma batalha perdida.
Enterro de Yohangel Márquez, policial de 33 anos assassinado por um criminoso em Miranda. NATALIE KEYSSAR
6.
Já ouvi algumas pessoas perguntarem como é possível que, num lugar tão decomposto, nada aconteça. Mas por acaso não acontece muita coisa? Esperam uma explosão popular com muitos mortos, como o Caracazo de 1989? Uma guerra civil? Ou talvez outro golpe militar como o de 1992, ou como o de 2002, ou como tantos de nosso avultadíssimo repertório histórico de aventuras e ditaduras militares?
Nesta contradição de 912.000 quilômetros quadrados, que agora parece um túnel sem final, quantos estão realmente dispostos a se matar? Nesta ferida da qual fugiram mais de um milhão de venezuelanos nos últimos anos, a enorme maioria trava uma luta comovedora e contínua para viver e criar seus filhos em paz. Uma luta ao rés do chão, menos estridente, mas muito mais admirável do que qualquer épica.
Eis aí essa multidão de rostos sorridentes ao sol. Com uma esperança à prova de fracassos. Como este verso de Wislawa Szymborska que diz: “Minha fé é cega, forte e sem nenhum fundamento”. Eis aí essa roupa branca, impondo-se ao muro carcomido. Essa roleta eleitoral, que a cada vez que gira emudece as trombetas do Apocalipse. Essa mão que aponta o caminho mais desejado neste extravio chamado Venezuela.
Roupa estendida no bairro chavista 23 de Janeiro. NATALIE KEYSSAR
Cristina Marcano é jornalista e escritora. Autora, com Alberto Barrera, do livroHugo Chávez sem uniforme: uma história pessoal (2005, editora Gryphus).
Andrés Parra deixou de comer as unhas aos 39 anos e depois de repassar umas 400 horas de Hugo Chávez em vídeo. De ver e escutar o falecido presidente da Venezuela desde as oito da manhã até as cinco da tarde. De perscrutar centenas de Alô Presidente em busca de detalhes, gestos, até se dar conta de que se juntasse as mãos e as levasse à boca, como se rezasse — um traço característico de Chávez —, veriam a ruína que eram suas unhas: “Para este personagem é preciso de um pouco de obsessão. O complicado era como interpretar um ator que é melhor do que você”.
O ator colombiano, que foi Pablo Escobar em El patrón del mal, é o protagonista da série El Comandante, a produção mais ambiciosa até o momento da Sony para a América Latina, que será lançada no início do próximo ano, em vários países da região. Um projeto concebido há três anos por Moisés Naím, também produtor, com o qual mergulha no mundo da televisão. A partir de janeiro começarão a ser exibidos os 60 capítulos, cada um dos quais durará uma hora. “Não é um documentário nem uma biografia no sentido estrito da palavra. É uma história de ficção baseada na vida de Chávez”, diz Naím.
A série percorre a vida de Chávez desde seu nascimento em Sabaneta, em 1954, até sua morte, há três anos. Esse caminho que percorreu para se tornar um dos presidentes e líderes mais carismáticos da América Latina foi o que mais surpreendeu Parra. “É como ir filmar em San Martín ou Cumaral, no estado de Meta (Colômbia), e ao ver uma criança, filho de um camponês, jogando futebol, pensamos: ‘Poderia se tornar um Chávez’. Como isso aconteceu?”. Uma tarefa difícil para a tela pequena. “Todos os dias Chávez fazia história, tomava uma decisão ou se comportava de uma maneira que merecia ser registrada, por assim dizer”, completa Naím, lembrando que o líder venezuelano “viveu boa parte de sua presidência diante das câmeras, não só através das câmaras”.
O ator Andrés Parra, antes da sessão de maquiagem. CAMILO ROZO
A crise social, econômica e política que vive a Venezuela atravessa a série, embora não esteja implícita. Assim que se conheceram as primeiras imagens, o chavismo começou a criticar o produto, assim como um setor da oposição, que teme que a figura do ex-presidente seja idealizada. Parra não ignorou todo esse burburinho. “Tentei não me contaminar de toda essa energia, mas estou mexendo com uma coisa muito poderosa. Quando saiu a notícia, as pessoas enlouqueceram, para bem e para mal. Comecei a sentir muita angústia. Íamos almoçar e entrava no Instagram ou Twitter... As pessoas tinham uma necessidade de se desafogar. Isso afeta qualquer um”.
Essa preocupação de Parra também alterou os roteiristas, Moisés Naím e Sony, que mediu até o último detalhe para tentar evitar qualquer interpretação errada dos personagens ou da vida de Chávez, uma figura que não deixa ninguém indiferente. “O respeito pelo público é muito grande. Aqueles que são simpatizantes não deixarão de ser e nem aqueles que se opõem. A intenção é contar a história como foi. O que mais temo são as opiniões definitivas de pessoas que não viram a série e opinam sobre ela”, diz o produtor.
O ator colombiano Andrés Parra, caracterizado como Chávez. CAMILO ROZO
A transcendência de Chávez não foi o único obstáculo que enfrentou Andrés Parra, que recebeu a oferta para fazer o papel poucos dias depois de afirmar em uma entrevista que queria interpretar o líder venezuelano. “Pensei que estavam tirando um sarro”, ri ainda quando lembra aquela piada que era real. “Aceitei porque procuro personagens que incomodem, que gerem perguntas e criem um problema para mim. Se não fico entediado”.
Se algo não teve Parra foi tempo para sentir tédio. Durante um ano esteve estudando o personagem. Com as filmagens já iniciadas encontrou um grande obstáculo: a voz de Chávez. “É muito difícil”, admite enquanto se retorce e aponta para a parte de trás da cabeça: “Está enfiada aqui”. Pela primeira vez, teve que recorrer a uma professora de voz, uma companheira com quem tinha estudado teatro, lembra Parra uma manhã fria no início de novembro antes de se submeter à caracterização de Chávez: mais de uma hora de maquiagem. “E ainda não chegamos à época do câncer”, suspira para entrar no cenário.
Na noite antes da filmagem, Naím, que propôs Parra para o papel de Chávez, finalmente viu os dois primeiros capítulos da série acabados. “Fiquei chocado, muito feliz”, comemora e reflete mais uma vez sobre o conteúdo: “Chávez foi um sedutor de multidões, conseguiu uma conexão especial com o povo, foi um dos políticos mais talentosos da América Latina e deixou como resultado o país que vemos. Como alguém pode duvidar do carisma de Chávez e do país que é hoje a Venezuela? Acho que a série reflete isso”.